O regulamento não só protege os investidores, ao exigir transparência e responsabilidade aos fornecedores deste tipo de ativos, como também blinda o mercado contra utilizações indevidas
Em apenas uma década, os ativos digitais passaram de uma curiosidade tecnológica a um fenómeno global. Atualmente, mais de 617 milhões de pessoas utilizam criptomoedas, um mercado com um valor superior a 2,3 biliões de dólares, de acordo com o relatório The Crypto Wealth Report 2024 da consultora Henley & Partners, o que representa um aumento de 95% em relação ao exercício anterior.
Ao desenvolver-se num ambiente virtual sem limites físicos, o universo dos ativos digitais expandiu-se e fragmentou-se, transformando o setor financeiro a uma velocidade acelerada que não está isenta de desafios: a volatilidade, os riscos em matéria de cibersegurança e uma regulamentação que, até agora, tem deixado muitos utilizadores a navegar em águas incertas. Este contexto desafiante também manteve muitos governos e entidades num compasso de espera, adiando pacientemente as suas incursões neste mercado até que fosse criada uma estrutura regulamentar adequada. O futuro, porém, começa a ganhar contornos mais claros e a Europa avança a passos largos com a entrada em vigor do Regulamento MiCA (Markets in Crypto-Assets) em janeiro deste ano, um regulamento que deverá alterar as atuais regras do jogo para garantir uma maior segurança jurídica, o controlo e a transparência no mercado dos criptoativos, bem como para oferecer serviços transfronteiriços em toda a União Europeia.
A natureza descentralizada dos ativos digitais significa que este regulamento não é peccata minuta. Este quadro regulamentar representa uma mudança de paradigma que estabelece diretrizes para a gestão, negociação, emissão e custódia de criptoativos, ao mesmo tempo que visa lançar as bases para garantir a privacidade e a proteção dos utilizadores. Sob a premissa de pôr ordem num mercado em plena ebulição e criar um cenário operacional equitativo para todos os prestadores de serviços de criptoativos, é criado um ecossistema em que devem prevalecer a segurança, a transparência, a confiança, a inovação e a competitividade.
Assim, o MiCA não só protege os investidores, ao exigir transparência e responsabilidade aos fornecedores deste tipo de ativos, como também blinda o mercado contra utilizações indevidas. Ao normalizar os requisitos para a comercialização e a custódia de ativos, e exigir o registo obrigatório como prestador de serviços e autorização para operar na UE sob a supervisão das autoridades nacionais e europeias, o regulamento fomenta a estabilidade dos mercados e reduz os riscos sistémicos.
Longe de limitar a expansão deste mercado, o MiCA oferece uma resposta decisiva e estabelece os requisitos para proteger os investidores e fomentar o desenvolvimento de um terreno fértil para a inovação, onde as empresas podem criar e experimentar sem receio de infringir regulamentos ambíguos ou enfrentar ambientes hostis. Paralelamente, não limita a possibilidade de os prestadores de serviços operarem para além das fronteiras nacionais, lançando as bases para a criação de um mercado único de criptoativos.
Contudo, o caminho apresenta duas vertentes. A tecnologia blockchain, pilar deste ecossistema, oferece uma transparência sem precedentes nas transações, mas também coloca novos desafios em termos de riscos tecnológicos e de segurança. O facto é que proteger os ativos digitais num ambiente regulamentado não só altera as regras dos mercados financeiros, como também redefine a sua infraestrutura.
A tokenização, por exemplo, permite que os ativos financeiros que representam bens físicos - como imóveis ou obras de arte - sejam convertidos em representações digitais negociáveis em blockchain. Os bancos e as sociedades gestoras europeus já estão a comercializar fundos monetários tokenizados que prometem maior liquidez, eficiência, rastreabilidade e redução de custos.
A tokenización revolucionou a forma como os ativos são representados, digitalizando desde imóveis a obras de arte em blockchain. Esta inovação transformou os mercados financeiros, gerando novos ativos digitais a partir de instrumentos tradicionais como as obrigações e as ações. Graças a uma maior liquidez, eficiência e rastreabilidade, os fundos monetários tokenizados estão a atrair o interesse dos bancos e sociedades gestoras europeus, que procuram reduzir os custos e oferecer produtos mais atrativos aos seus clientes.
Considerando esta nova infraestrutura de ativos financeiros, o Regulamento MiCA estabelece igualmente diretrizes para a oferta de serviços que abrangem a gestão, execução e custódia de ativos. Os bancos de custódia, especializados na custódia tradicional, consideraram necessário assumir o grande desafio de se adaptarem às novas regulamentações do mundo cripto, por forma a oferecerem serviços de custódia de ativos digitais em conformidade com todas as normas regulamentares em vigor. Com uma vasta experiência no setor tradicional, entidades como o Cecabank desempenham um papel crucial no novo paradigma dos ativos digitais, proporcionando confiança, conhecimento, segurança e capacidades técnicas para garantir o cumprimento regulamentar, a redução de riscos e a segurança na operação de ativos digitais.
Como banco de custódia de referência, estamos a trabalhar, desde 2019, numa linha estratégica que explora o potencial dos ativos digitais, sob a premissa de oferecer um serviço integral aos clientes institucionais, que inclui a custódia de criptomoedas e um sistema de execução e liquidação (RTO) através de exchanges aprovadas. Neste sentido, o Cecabank está registado no Banco de Espanha desde 19 de dezembro de 2024 como prestador de serviços de câmbio de moeda virtual por moeda fiduciária e de custódia de porta-moedas eletrónicos.
Adicionalmente, contamos com alianças com parceiros especializados, como a Bit2Me e a Fireblocks, para desenvolver uma infraestrutura tecnológica sólida e segura, e uma forte aposta na inovação. Paralelamente, participámos igualmente em iniciativas sandbox com a CNVM, com a GPT Advisor e a STX, e em experiências com o Banco Central Europeu e o Banco de Espanha para a tokenização grossista.
A bússola MiCA indica o norte e coloca a Europa na vanguarda da regulamentação do setor dos criptoativos, mas a transformação constante e inerente do setor adverte que o caminho ainda está por construir. O desenvolvimento imparável da tecnologia blockchain e a popularização dos diferentes criptoativos exigem cooperação, prudência e alianças estratégicas, alavancas fundamentais para oferecer serviços inovadores, seguros e de qualidade no mundo cripto, tal como fazemos no mercado tradicional.
Aurora Cuadros é diretora corporativa de Securities Services do Cecabank.